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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

África entre os séculos VII E XI: cinco séculos formadores



RESUMO

A África conhecida por todos hoje é resultado de mudanças ocorridas entre os séculos VII e XI. Esses séculos são considerados formadores por que as transformações ocorridas durante esse período afetaram a África em seus aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. Esse artigo objetiva explanar de forma clara quais foram essas transformações, e de que forma elas influenciaram na formação da África.
Palavras-chave: História. África. Transformações. 


1 INTRODUÇÃO

          Durante muito tempo a história da África foi negligenciada pelo Ocidente. Acreditava-se que não havia obras suficientes para a abordagem da história desse continente. A ausência de fonte histórica escrita não impediu a construção da história da África, a oralidade que é a tradição viva da África, muito ajudou na elaboração de livros. A história transmitida pelos tradicionalistas através da
oralidade, por muito tempo foi desprezada pelos historiadores, pelo simples fato de não ser de caráter documentado. Porém, com o tempo assumiu-se que os documentos históricos escritos nada mais eram do que um depoimento humano. Então, o que valia não era a forma – escrita ou oral- do depoimento, e sim aquele que está depondo. Dessa forma, muitas informações antes negligenciadas, foram sendo colhidas e utilizadas como fonte na construção da História da África.
           Tendo-se conhecimento da riquíssima cultura africana, e do período formador dela, desenvolveu-se a vontade de uma pesquisa mais aprofundada sobre os entes construtivos dessa história, objetivando conhecer melhor essa história que durante tanto tempo manteu-se distante da cultura ocidental.
           O referencial teórico para a produção textual do artigo baseia-se em obras de autores como Devisse, Jan Vansina, Hampaté Bâ e também em artigos retirados da internet.

2. AS MUDANÇAS OCORRIDAS NAS DIFERENTES PARTES DA ÁFRICA

          Não se pode estereotipar as mudanças e acontecimentos ocorridos, de tal forma que leve o leitor a pensar que foram mudanças efetuadas em todo o continente. O século XI, por exemplo, foi de grande importância para a África do Oeste, pois marcou a radiação do sunismo maliquita, e a mudança de relação entre os muçulmanos e não muçulmanos. Durante esses cinco séculos ocorreu uma série de evoluções comparáveis no conjunto do continente, a distribuição geográfica da África tomou forma e se estabilizou, e a economia amadureceu, é possível então considerar que durante esse período ocorreu uma “germinação” que explica a “florescência” posterior na África.
         As primeiras mudanças consideráveis começam no século VII, como a organização de espaços de sedentarização, quando o homem deixa de ser nômade e torna a produção agrícola dominante. O surgimento das tecnologias também foi um marco muito importante, pois iniciou a exploração dos recursos, o aumento das trocas e principalmente a divisão do trabalho.
         Esse processo de sedentarização resultou de um novo tipo de relação com o meio em que esses povos viviam, motivada pelas constantes mudanças climáticas, aumento populacional, e desorganização das sociedades que estavam se tornando complexas. Essa sedentariedade provocou um crescimento demográfico, tornando mais necessário o uso da agricultura.
Tal progresso, que corresponde a um aumento da quantidade de trabalho necessário para a produção de alimentos, constitui a melhor estratégia de sobrevivência inventada pelos grupos humanos, tanto na África quanto em outros continentes [...]. (DEVISSE; VANSINA. 2010, p.883)
      
         Nas florestas da África central foi desenvolvida uma técnica agrícola baseada em um campo arroteado por ano. Nas savanas, ao sul da floresta, a técnica de baseava em dois campos arroteados por ano. Quem dominava era os cereais, logo após a caça, e a colheita como atividade complementar. Já na África Oriental e do Sudeste, e na parte sul da África Central, a produção de alimentos se baseava na criação de gado, e na agricultura de cereais como o milhete e o sorgo. A criação de gado por um lado, era maior nas regiões mais secas como em Botsuana. Após o século VIII houve um desenvolvimento na criação de rebanhos, que se tornou primordial.
        Na África oriental houve uma expansão pastoril que pode ser ligada à difusão das raças bovinas zebu e sanga, durante os séculos estudados, que são raças que se adaptam mais facilmente ao clima seco.  Enquanto isso, na África Ocidental ocorria transformações parecidas às que já foram mencionadas. Nas florestas do Benin, na Nigéria, houve um avanço significativo da agricultura. Nas partes mais secas da Savana e no Sahel, as mudanças climáticas provocaram o êxodo dos povos em busca de lugares onde houvesse condições necessárias para a agricultura. Uma mudança transtornadora aconteceu no Neolítico, a pesca, que era a principal base da alimentação desses povos, desapareceu. Apenas a caça não era suficiente para manter a população que estava ficando cada dia maior, então as importações tornaram-se necessárias. A instalação dos agricultores nas terras mais úmidas, com os arroteamentos, foi o fator que mais provocou a destruição do meio ambiente.
Durante esses séculos, certamente existiu um crescimento demográfico natural. Embora tenha sido muito lento e saibamos pouco a esse respeito, não podemos negligenciá-lo. Foi acompanhado por uma crescente degradação, em várias regiões, das relações com o meio ambiente. (DEVISSE; VANSINA. 2010, p.891)

       O Saara havia, dois ou três milênios antes, sido abandonado pelos homens pois os recursos para sobrevivência eram insuficientes, então, com a introdução do camelo nessas regiões, houve uma revolução nos transportes e na alimentação. Com essa implantação, o Saara passou a ser reabitado, e os Oásis não eram mais os únicos lugares de ocupação.
       Na África do Norte, durante o período enfocado surgiu profundas crises alimentícias. No Egito, por exemplo, alimentar a população tornou-se uma preocupação do Estado, tornando necessária uma nova política de produção.                                                                                                       
       Essa mudança na produção alimentícia causou algumas mudanças sociais. Os principais processos de integração entre as sociedades tiveram início durante esse período. Desencadeou-se um processo de etnogenia, antigos grupos por outros novos, e integração linguística.

3 SURGIMENTO DAS TECNOLOGIAS

       As sociedades africanas desenvolveram tecnologias, tanto para a produção alimentícia, como para a melhoria das moradias. A técnica das abóbadas núbias foi retomada na cobertura de igrejas cristãs da Núbia. Essa técnica arquitetônica ancestral é proveniente do Alto Nilo, e chama a atenção pelo formato de arco.
       As pesquisas arqueológicas das moradias deram acesso direto às técnicas desenvolvidas durante esse intervalo de tempo, bem como a cerâmica, os metais, a tecelagem e o manuseio do sal.
       O uso da cerâmica era muito ligado as sociedades em processo de sedentarização. A produção de cerâmica se tornou um indicador demográfico, econômico e cultural.
Tratada como marca da variação dos detalhes das técnicas (preparação das massas, cozimento, procedimentos de impermeabilização), como indício das variações de gosto, mas também como indicador dos objetos disponíveis para o enfeite no meio cotidiano dos produtores, como bom indicador de riqueza [...]. (DEVISSE; VANSINA. 2010, p. 896)
      
        A cerâmica desenvolvida durante esse período foi essencial para o trabalho dos arqueólogos, de acordo com a posição e organização dos objetos nas casas, é possível saber o “status social” dos moradores. A cerâmica de Ruanda, data entre os séculos VIII e IX, marcou o abandono da concentração das fundições de ferro e causou uma transformação profunda com a instalação de pastores especializados na sociedade.
       Durante algum tempo, as informações que se tinha sobre a produção dos metais eram muito fragmentadas, pois os metais eram sempre acompanhados de lendas e de certa magia, como é o caso do ouro africano. Após a implantação dos estados muçulmanos, um dos primeiros povos a fazer uso desse ouro foram os Aglábidas, o que fez a demanda crescer, e o número de exportações aumentarem, salientando que isto ocorreu durante o período aqui enfocado. O cobre era um metal muito apreciado nessa época, inclusive no sul do Saara ele concorria com o ouro como matéria prima de objetos de luxo. As técnicas de extração utilizadas eram a escavação de poços e as galerias horizontais. O cobre chegou a ser usado como moeda na África Central em 900.
       Com o ferro não era muito diferente, ele tinha grande valor. O ferro era a matéria-prima de ferramentas como machados, enxadas de trabalho; de armas como sabres, lanças, armação de flechas, pontas de arpão e facas; de utensílios como tesouras e agulhas, e também para a produção de objetos de adorno como colares, anéis e braceletes. O ferro era tão apreciado, que através de pesquisas arqueológicas descobriu-se que havia uma busca por sua acumulação, pois muitas barras de ferro foram encontradas.
        No caso da tecelagem, houve uma irradiação em particular entre os séculos trabalhados. A tecelagem e a venda de tecidos alcançaram uma grande importância econômica. 
Ela gerava produções secundárias como a cultura do índigo. [...] produção que fornecia não somente e muito rapidamente os novos elementos da vestimenta, mas também logo criaria signos de distinção social, bem como valores de troca e de entesouramento. (DEVISSE; VANSINA. 2010, p.906)

        Na África Central o tecido de ráfia foi o mais importante. Na zona florestal se desenvolveu a produção de tecido de casca de árvore tratada por percussão, e na  savana o couro era a matéria-prima dominante nas vestimentas.
        Entre todas as técnicas desenvolvidas durante os séculos VII e XI, o sal é o que mais se destaca. Ele era obtido a partir das salinas sahelianas, etíopes e orientais. Era obtido também através da evaporação do mar, por colheitas de eflorescências, e de uma forma que chama bastante atenção, por procedimentos sofisticados usando as cinzas de plantas xerófilas para extrair o sal. Em algumas áreas onde não havia o sal-gema e o sal marinho, eles cultivavam as plantas produtoras de sal. Esse sal era a fonte de renda dos ribeirinhos que o trocavam por todos os produtos que necessitassem.
       No decorrer desses séculos estudados, houve um considerável desenvolvimento no comércio, principalmente no transaariano. A introdução do camelo nos comércios de longa distância no deserto foi indispensável para a obtenção de lucro. Porém tanto ao norte quanto ao sul do deserto, a expansão do comércio transaariano teve conseqüências:
[...] em primeiro lugar o desabrochar das entidades estatais, do Marrocos ao Egito, entre os séculos VII e XI. [...] Em seguida, é claro, o comércio provocou o desenvolvimento de grupos de mercadores mais ou menos fortemente estruturados e mais ou menos dependentes de poderes políticos. (DEVISSE; VANSINA. 2010, p.911)

4 CONCLUSÃO

       Após a análise feita das grandes mudanças, progressos e desenvolvimentos ocorridos durante o período que se estende do século VII ao XI, a conclusão a que se chega é que esses séculos realmente podem ser considerados formadores, pois as mudanças ocorridas entre eles afetaram a África em seus aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. É o período onde o povo deixa de ser nômade e tem um novo contato com o meio, iniciando o processo de sedentarização e tornando a agricultura e o comércio necessários como meio de sobrevivência.



REFERÊNCIAS

DEVISSE, Jean; VANSINA, Jan. A África do século VII ao XI: cinco séculos formadores. In: MOHAMMED, El fasi. (Org.). História geral da África III: África do século VII ao XI. Brasília: UNESCO, 2010. p.881-920.

LOPES, Edite. África durante os séculos VII e XI. UNEB. Bahia, 2012. Disponível em: <http://historiadaafricauneb.blogspot.com.br>. Acesso em 13 jul. 2014
     

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Sara S. de Oliveira
Acadêmica de História
Paraíba, Brasil